publicado em 25/02/2024

“ Tomei um chazinho de alecrim para esperar passar…”

A história da Tereza

Por Letícia Januzi

Aceita um chá ou um cafezinho? Essa é uma daquelas perguntas clássicas que fazemos às visitas que chegam às nossas casas. Há quem seja do time do chazinho, outros do cafezinho. Pessoalmente eu amo os dois, mas o chazinho me traz a conotação do aconchego do colo de mãe, do final de tarde sem nenhuma pressa, do alívio de algum desconforto. A sabedoria popular ancestral nos ensina muita coisa: boldo para aliviar azia e má digestão, camomila para acalmar, gengibre para problemas de garganta, melissa para cólicas, e por aí vai.

A lista dos efeitos benéficos é grande e hoje em dia já temos inclusive portarias do Ministério da Saúde e cartilhas que orientam o correto uso dos chás na atenção primária. Eu sou adepta à fitoterapia feita com segurança e seriedade, inclusive, sempre que aplicável e desejável, passo algumas orientações sobre o tema para meus pacientes em consultório. No entanto, assim como toda história tem dois lados e a diferença entre o remédio e veneno é a dose, nem tudo que vem da natureza pode ser considerado seguro em qualquer situação.

Se você está curioso para saber mais sobre isso, acompanha a história da Tereza.


Tereza me contou sua história dizendo assim:

“ Tomei um chazinho de alecrim para esperar passar…”

Eram 06:45 da manhã quando o alarme do celular de Tereza tocou. Ela estava cansada por conta da festa que tinha ido na noite anterior, mas, mesmo assim, precisava levantar cedo para ir ao trabalho. Sabia que se clicasse em “ adiar alarme” provavelmente iria se atrasar, mas resolveu se presentear com mais 5 minutinhos de paz entre seus travesseiros. Novo alarme tocando. Tereza levanta, toma um banho, escova os dentes e escolhe entre um de seus uniformes, o de cor azul royal. Ela trabalha como secretária de uma grande empresa em Maceió. Apressada, ela toma uma xícara de café que sua irmã havia deixado pronto na garrafa térmica e tira seu carro da garagem para ir ao trabalho. 

No trabalho a manhã seguia como habitual, quando de repente, durante uma ligação, Tereza sente sua voz ficando enrolada, a boca esquisita e a mão que segurava o telefone um pouco fraca. Ela consegue terminar a ligação e anotar o recado em um pedacinho de papel com a letra um pouco mais trêmula e desalinhada que o habitual. Achou estranho e teve medo. Definitivamente não estava se sentindo bem. Resolve então falar com a secretária da sala ao lado e dizer que precisa ir para casa, estava se sentindo meio tonta também. A colega achou realmente que a voz de Tereza não estava normal e sugeriu que fossem até uma emergência, mas Tereza só queria ir para casa. Tinha pavor de emergências de hospitais e achava que estava assim porque tinha bebido mais caipiroskas do que deveria na festa da noite anterior.

Assim Tereza fez. Pegou seu carro e dirigiu para casa. Quando ela me contou essa história me disse assim: “ Até agora não entendo bem como cheguei em casa. Lembro que encostei o carro duas vezes e levei buzinadas.” Em casa, deitou no sofá e contou à irmã o que estava sentindo. As duas não sabiam o que que poderia ser, mas pensaram que tomar um chazinho poderia ser uma boa ideia. “Tomei um chazinho de alecrim para esperar passar” - me disse Tereza. Ela realmente acreditava que daria certo.

Infelizmente o que Tereza sentia não passou. Por sorte, muita sorte mesmo, não piorou, mas ela não pôde trabalhar no dia seguinte, nem na semana que acabara de começar. 

Conheci Tereza e sua história no consultório, sete dias depois do ocorrido. O que Tereza teve não foi um mal-estar passageiro que melhoraria com um chazinho; ela teve uma das doenças que mais incapacita pessoas no mundo inteiro, o Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ela me contou que estava envergonhada e tinha muita raiva de si mesma por ter ficado em casa. Eu disse que compreendia o sentimento, mas que não se culpasse nem mais um minuto. Ela e a irmã haviam tentado fazer o melhor com o conhecimento que tinham naquele momento. Elas não sabiam como identificar um AVC. 

No final da nossa consulta, propus à Tereza que transformasse aquela raiva em algo melhor e maior. Pedi que ela me deixasse compartilhar a sua história para iniciar um dos meus novos projetos. Ela topou! Deixei que ela escolhesse um codinome e assim surgiu a Tereza dessa história.


Moral da história:

  1. AVC agudo não se trata com chazinho

  2. AVC agudo é = ir para uma emergência médica

  3. Você pode transformar sua raiva em algo melhor e maior


Se você gostou dessa história e quer acompanhar esse novo projeto, compartilha com quem você conhece e me acompanha por aqui. 

Bom domingo.



Letícia Januzi
Letícia Januzi

Sobre

Atua como médica neurologista especialista em AVC ("derrame cerebral")
Professora da FAMED-UFAL

CRM - AL 5647
RQE 3137

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