publicado em 07/09/2023

O que é afasia?

Por Letícia Januzi

A afasia é o termo técnico que usamos para falar de um distúrbio de linguagem causado por alguma lesão cerebral, que faz com que a pessoa tenha alteração na capacidade de se comunicar. A comunicação, por sua vez, é uma habilidade altamente complexa e fundamental para a vida humana em sociedade. Sem ela não estaríamos onde estamos hoje neste mundo.

Para que uma pessoa se comunique com outra é possível usar os olhos, os gestos, as palavras faladas ou escritas. Para produzirmos palavras faladas é necessário a integridade dos músculos da nossa boca, da nossa língua, da nossa laringe, mas também do nosso cérebro. Quando alguma lesão cerebral acontece, com o por exemplo no AVC (acidente vascular cerebral), a depender da área afetada, a comunicação pode ser afetada, inclusive a comunicação por meio da linguagem verbal.

A frequência com que a afasia acontece no AVC é variável, mas ela não é incomum. Nós não temos números precisos, pois carecemos de pesquisas exclusivas nesse tema, mas é algo que pode variar em torno de 10 – 43 por 100.000 habitantes segundo os estudos internacionais (1,2).

De maneira simplória, a afasia pode se manifestar de duas formas: dificuldade na expressão, ou seja, na capacidade de encontrar e dizer os nomes corretos das palavras ou dificuldade na compreensão, ou seja, na habilidade de entender o que está sendo dito. Essa é uma forma bastante simplificada de descrever essa manifestação que tem na verdade diversos tipos e deve ser adequadamente avaliada por um fonoaudiólogo, mas acredito que assim seja fácil para você entender.

Explicar a afasia em termos práticos não é tarefa fácil. Na situação em que a pessoa tem dificuldade em se expressar, é como se ela tivesse as palavras corretas ali na cabeça, mas não consegue dizê-las de forma adequada. Os graus podem ser muito variados e dependem do local e tamanho da lesão, bem como da plasticidade do cérebro de cada pessoa.

Vamos a outro exemplo. Se você já se aventurou tentando aprender uma nova língua (inglês, alemão, chinês...) vai entender o que vou explicar adiante. Quando escutamos pela primeira vez palavras em uma língua nova ou então quando tentamos ler um texto escrito a chance de entendermos muito pouco ou quase nada é extremamente alta. É mais ou menos assim que a afasia se comporta na vida do indivíduo com esse sintoma.

Vamos fazer um teste. Se você não estudou Alemão, como eu, vai compreender o que quero explicar. Tente ler o texto abaixo:

Fonte: google (referência no final do texto)

E ai? Entendeu alguma coisa? Eu não consegui decifrar nada dessa frase. Caso você tenha estudado um pouco dessa língua pode até compreender algumas palavras e quem nasceu na Alemanha e tem o alemão como sua língua materna pode ter compreendido tudo. Dessa forma você consegue imaginar que a afasia pode ter também diversos graus de comprometimento.

O fato concreto é que é muito difícil conviver com esse problema. Não compreender ou ser compreendido durante uma conversa banal é no mínimo desconfortável. A grande maioria dos seres humanos precisa da linguagem verbal nas suas atividades de trabalho por exemplo. O impacto social, psicológico e emocional da afasia é verdadeiramente imenso. Além disso, não é infrequente que os distúrbios de linguagem venham acompanhados de outros sintomas como dificuldades de apreensão das novas informações, atenção e memória.

Os AVCs são campeões em causar afasias, mas outras doenças neurológicas de causa degenerativa podem também ser causadoras, como as demências. No caso dos AVCs, é fundamental que o paciente tenha a abordagem diagnóstica feita ainda na fase aguda, sobretudo nos primeiros 14 dias após o ictus (o dia do AVC), para o maior sucesso do tratamento. Mas mesmo que a pessoa não tenha tido oportunidade de ser acompanhado por um fonoaudiólogo nas primeiras semanas após o AVC, vale a pena consultar o especialista, pois há benefício comprovado das estratégias de compensação que podem ser usadas para quem é afásico.

O fonoaudiólogo é o profissional indicado para o mapeamento completo do paciente com suspeita de afasia. Ele vai atuar em conjunto com o neurologista e por vezes do neuropsicólogo para tratar o paciente de AVC, com metas claras de recuperação.

Como conviver com uma pessoa afásica?

O apoio da família e dos cuidadores também é fundamental na recuperação do paciente com afasia. Apesar de não ser fácil, é necessário empatia. Aqui eu deixo algumas dicas práticas de como conviver com um afásico:

  • Primeiro mandamento: seja paciente. Não adianta querer ajudar toda hora dando dicas ou completando as frases da pessoa. O tempo dela agora é diferente do seu. Calma. Dê oportunidade que o afásico tente se expressar. Não finja que entendeu nem mude de assunto.

  • Integre o afásico no dia-a-dia da família, gerar oportunidades de comunicação o máximo de tempo possível faz com que a pessoa se sinta valorizada e respeitada. Não o exclua das conversas. Se você é profissional de saúde, durante as suas consultas, não se dirija apenas ao acompanhante no momento da conversa. A afasia tem diversos graus. O paciente precisa ter o seu espaço e direito de participação.

  • Não infantilize o paciente. Não é por que ele está com a compreensão ou linguagem comprometida que precisa ser tratado como criança. Nada de usar diminutivos. Trata a pessoa de acordo com a idade dela.

  • Evite ambientes barulhentos e com muitos estímulos para não dificultar a compreensão do afásico.

  • Respeite a cultura e história do paciente. Introduza assuntos que ele gosta, leia textos que o interessam, cante músicas que fazem parte do seu dia-a-dia. Permita que ele tente cantar, rezar, imitar nos sons, completar frases.

  • Evoque lembranças do passado breve ou distante para criar assuntos que o afásico possa gostar.

  • Use estratégias de comunicação: escrita, gestos, fotos, figuras, boa articulação da palavra, tablets ou celulares, tudo para facilitar o entendimento. Mas lembre: você não precisa aumentar seu tom de voz para que a pessoa com afasia te entenda.

  • Sempre que possível, use frases curtas e diretas para facilitar a comunicação. Também é interessante que quando forem feitas perguntas, exista a possibilidade de escolhas de sim ou não como resposta. 

  • Situe o paciente no local, no espaço e tempo sempre que possível. Como disse antes, a memória pode estar também comprometida junto da afasia.

Espero que esse texto tenha sido útil para você e tenha ajudado a esclarecer um pouco mais sobre essa condição.

Referências:

  1. González Mc F, lavados PG, olavarría verónica. Incidencia poblacional, características epidemiológicas y desenlace funcional de pacientes con ataque cerebrovascular isquémico y afasia Incidence of aphasia in patients experiencing an ischemic stroke. Rev Med Chile. 2017;145:194–200.

  2. Engelter ST, Gostynski M, Papa S, Frei M, Born C, Ajdacic-Gross V, et al. Epidemiology of Aphasia Attributable to First Ischemic Stroke. Stroke [Internet]. 1o de junho de 2006 [citado 31 de agosto de 2023];37(6):1379–84. Disponível em: https://www.ahajournals.org/doi/abs/10.1161/01.STR.0000221815.64093.8c

  3. Figura (texto em Alemão): (https://www.google.com/search?q=texto+em+alemao&tbm=isch&ved=2ahUKEwjm99iS3YmBAxXuK7kGHbOYA_EQ2-cCegQIABAA&oq=texto+em+alemao&gs_lcp=CgNpbWcQAzIFCAAQgAQyBQgAEIAEMgcIABAYEIAEOgYIABAIEB46BwgAEIoFEEM6BAgAEB46CAgAEIAEELEDOgYIABAFEB5Q1wNYpRBg_BFoAHAAeACAAZkBiAHiDpIBBDAuMTOYAQCgAQGqAQtnd3Mtd2l6LWltZ8ABAQ&sclient=img&ei=RAPyZObFB-7X5OUPs7GOiA8&bih=683&biw=1280&rlz=1C5CHFA_enBR858BR858#imgrc=iEMWGaAQEFkvEM)

Dra. Letícia Januzi

Neurologista

CRM 5647/ RQE 3137

Letícia Januzi
Letícia Januzi

Sobre

Atua como médica neurologista especialista em AVC ("derrame cerebral")
Professora da FAMED-UFAL

CRM - AL 5647
RQE 3137

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