Forame Oval Patente e AVC
Qual a relação entre essas duas condições?
Costumo receber muitos pacientes jovens com AVC no meu consultório. Apesar de o AVC ser uma doença mais associada a pessoas idosas, a verdade é que ele não escolhe idade. Sim! O AVC é democrático (assista o vídeo sobre AVC em jovens clicando aqui).
As causas do AVC em jovens são diversas, desde as mais incomuns, como as doenças genéticas ou inflamações dos vasos sanguíneos (vasculites), até aquelas causadas pelos fatores de risco clássicos para o AVC (hipertensão arterial sistêmica, colesterol alto, etc). Uma das possibilidades para o AVC em jovem é o forame oval patente. Ele ainda é uma entidade sob muita investigação, visto que a sua simples presença no indivíduo não significa necessariamente que ela seja a causa do AVC. Pode ser e pode não ser.
Vamos saber mais sobre isso?
Primeiro você precisa saber que FOP é a sigla que usamos para falar sobre o Forame Oval Patente e a partir de agora vamos nos referir a ele por essas 3 letras. O FOP é uma espécie de “buraco” que comunica o lado direito com o lado esquerdo do coração, e está presente em cerca de 25% da população. Ele é uma estrutura normal no ser humano durante a vida intra-uterina (dentro das barrigas de suas mães), pois ajuda na respiração, sendo fundamental para que o feto receba oxigênio e possa sobreviver. No entanto, na vida adulta, ele não é mais necessário, ocorrendo o fechamento espontâneo dessa passagem na maioria das pessoas logo após o nascimento, e, portanto, uma separação completa das cavidades do coração. O porquê do não fechamento em ¼ das pessoas não foi esclarecido ainda pela medicina.
Para que fique mais didático de compreender, o coração normal do adulto é composto por 4 cavidades (2 átrios e 2 ventrículos). O sangue pobre em oxigênio (sangue venoso) circula nas cavidades direitas, enquanto o sangue rico em oxigênio (sangue arterial) circula nas cavidades esquerdas, sem que haja nenhum tipo de comunicação. Logo, a presença do FOP é considerada uma comunicação anormal.
Exames de ecotranstorácico com septo interatrial íntegro.
Créditos do vídeo: Dra. Glenda de Sá/ CRM 164891/ RQE: 68182/68182-2
Apesar de considerada uma passagem anormal, a maioria das pessoas com FOP não apresenta sintomas; no entanto, estudos realizados em pacientes jovens com AVCi/AIT de causa indeterminada (após extensa investigação) identificam correlação entre o FOP com esses eventos. O que pode acontecer é que o FOP pode permitir que um coágulo da circulação direita (sangue venoso das pernas por exemplo) passe para a circulação esquerda (sangue arterial) gerando obstrução das artérias cerebrais, por exemplo, e causando um AVC.
Você pode achar intuitiva a necessidade de correção do FOP, mas existem indicações precisas para tal, e elas sempre devem ser discutidas entre os médicos da sua equipe, especialmente o neurologista e o cardiologista. O neurologista vai ser responsável por fazer a investigação da causa do AVC e descartar outras possibilidades possíveis para o evento: fibrilação atrial, trombofilias, trombos no ventrículo esquerdo, aterosclerose dos vasos do crânio, pescoço ou aorta, etc. Na eventualidade de nada ser encontrado, o AVC é tido como de causa indetermina e nessa circunstância o fechamento do FOP pode ser uma boa estratégia para evitar recorrência de eventos. Entretanto, pistas da história clínica e dos exames de imagem, bem como características específicas do FOP também devem ser levadas em consideração para a decisão do tratamento, sobretudo se a passagem da circulação direita para a esquerda for significativa.
Pistas da história clínica: estar fazendo alguma atividade que exija força física imediatamente antes do evento (levantar peso, tossir, defecar) pode aumentar a chance de passagem da circulação direita para a esquerda; situações que aumentam o risco de formação de coágulos na circulação venosa (desidratação, ficar imóvel após uma cirurgia, mexer pouco as pernas em uma viagem de avião, etc).
Avaliação dos exames de imagem: características que devem ser avaliadas pelo neurologista: tamanho do AVC, localização do AVC, múltiplos focos de isquemia pelo cérebro, etc
Avaliação específica do FOP: a visualização da passagem no coração pode ser feita por meio do ecocardiograma transtorácico (ECO-TT) ou, de forma mais sensível, pelo ecocardiograma transesofágico (ECO-TE) com a adição da técnica de injeção de microbolhas. Essa técnica consiste na realização de uma punção venosa (geralmente no braço direito) e administração uma solução salina agitada (solução salina + ar). Quando há a presença de FOP, essas bolhas são vistas facilmente passando entre as cavidades do coração. Além da determinação do shunt, o ECO-TE ajuda na avaliação das características da anatomia da passagem e se o fechamento é viável deste ponto de vista.
Veja abaixo um vídeo demonstrando a passagem de microbolhas (solução salina agitada) do átrio direito para o átrio esquerdo durante o exame de ecocardiograma transesofágico. Essa inversão de fluxo da circulação direita para a esquerda simula a passagem de um possível coágulo, por exemplo, que pode dar origem a um AVC/AIT. A este evento damos o nome técnico de embolia paradoxal.
Créditos do vídeo: Dra. Glenda de Sá Cardiologia | Ecocardiografia CRM-SP 164891 | RQE 68182 | 68182-2
Apesar de o ECO-TE ser considerado o padrão-ouro para a análise do FOP, o doppler transcraniano (DTC) é uma técnica muito usada por nós, neurologistas, por ser não-invasivo, simples, e de fácil realização a beira-leito, diferente do ECO-TE que exige uma sedação leve. Com o paciente deitado na maca de exame, o médico encosta um transdutor na cabeça do mesmo (próximo a uma das têmporas) para visualização de uma das artérias do crânio. Em seguida, é realizada a mesma punção venosa com salina agitada que expliquei acima e, no caso de passagem venosa-arterial, após poucos segundos, são observados sinais ultrassonográficos no monitor que deixam clara a passagem anormal. Apesar de sensível, a técnica de DTC não é capaz de visualizar o FOP em si e sim a passagem anormal para o cérebro, permitindo mensurar o quanto de bolhas chegam até o cérebro. A passagem pode estar em outros locais como no pulmão ou no fígado, e não se tratar de FOP e sim de fístulas nesses locais.
A decisão de tratamento deve ser feita com cautela e ela pode envolver, inclusive, o não fechamento do FOP. Pois é, nem todo FOP exige fechamento cirúrgico. O seu neurologista pode achar mais adequado o tratamento com prescrição de medicamentos antiagregantes, como a aspirina, e orientações de evitar situações que aumentem o risco de formação de trombos nas pernas (checar a seção de Saiba Mais abaixo).
Caso seja optado pelo fechamento, o procedimento é realizado por um cardiologista intervencionista, de forma minimamente invasiva, por meio de cateterismo pela virilha (fechamento percutâneo). O médico posiciona uma prótese com formato semelhante ao de um guarda-chuva no orifício do FOP, isolando a passagem de sangue da circulação direita para a esquerda.
Como todo procedimento, existem as chances de complicações, mas via de regra, quando realizado por mãos experientes, costuma ser rápido e muito bem sucedido, evitando recorrência de AVCs.
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Saiba mais:
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Com carinho,
Letícia.
Sobre
Atua como médica neurologista especialista em AVC ("derrame cerebral")
Professora da FAMED-UFAL
CRM - AL 5647
RQE 3137